quarta-feira, 19 de março de 2008

com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta,
anunciou: vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo.
Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

Adélia Prado, "Bagagem" (1976)

Um comentário:

::: alma furta-cor ::: disse...

casamento (contraponto... ou seja, casamento) perfeito com drummond, que, não à toa, a 'descobriu'. galatéia acerta contas com pigmaleão?
fico com os dois! gauche E desdobrável...