quarta-feira, 30 de julho de 2008

arte de amar



se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
a alma é que estraga o amor.
só em Deus ela pode encontrar satisfação.
não noutra alma.
só em Deus — ou fora do mundo.
as almas são incomunicáveis.

deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

porque os corpos se entendem, mas as almas não.

Manuel Bandeira, Estrela da Vida Inteira, 1979

another letter



il faut rire de soi même




guess there are times when we all need to share a little pain
and ironing out the rough spots
is the hardest part when memories remain
and it's times like these when we all need to hear the radio
’cause from the lips of some old singer
we can share the troubles we already know

turn them on, turn them on
turn on those sad songs
when all hope is gone
why don't you tune in and turn them on

they reach into your room
just feel their gentle touch
when all hope is gone
sad songs say so much

if someone else is suffering enough to write it down
when every single word makes sense
then it's easier to have those songs around
the kick inside is in the line that finally gets to you
and it feels so good to hurt so bad
and suffer just enough to sing the blues

Elton John, Sad Songs (Say So Much)

a letter to ...




oh [Elise] it doesn't matter what you do
I know I’ll never really get inside of you
to make your eyes catch fire
the way they should

The Cure, A letter to Elise

terça-feira, 22 de julho de 2008

sobre amigos e outras coisas

com atraso, graças ao Blogger e ao Virtua




Libelo


De que mais precisa um homem senão de um pedaço de mar – de um barco com o nome da amiga, e uma linha e um anzol pra pescar?

E enquanto pescando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos, uma pro caniço, outra pro queixo, que é para ele poder se perder no infinito, e uma garrafa de cachaça pra puxar tristeza, e um pouco de pensamento pra pensar até se perder no infinito...

– Mas o mar está preso em correntes, e é preciso por ele lutar!

De que mais precisa um homem senão de um pedaço de terra – um pedaço bem verde de terra – e uma casa, não grande, branquinha, com uma horta e um modesto pomar; e um jardim – que um jardim é importante – carregado de flor de cheirar?

E enquanto morando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos para mexer a terra e arranhar uns acordes de violão quando a noite se faz de luar, e uma garrafa de uísque pra puxar mistério, que casa sem mistério não tem valor de morar...

– Mas a terra foi escravizada, e é preciso por ela lutar!

De que mais precisa um homem senão de um amigo pra ele gostar, um amigo bem seco, bem simples, desses que nem precisa falar – basta olhar – um desses que desmereça um pouco da amizade, de um amigo pra paz e pra briga, um amigo de paz e de bar?


E enquanto passando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos para apertar as mãos do amigo depois das ausências, e pra bater nas costas do amigo, e pra discutir com o amigo e pra servir bebida à vontade ao amigo?


– Mas o amigo foi ludibriado, e é preciso por ele lutar!

De que mais precisa um homem senão de uma mulher pra ele amar, uma mulher com dois seios e um ventre, e uma certa expressão singular? E enquanto pensando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de um carinho de mulher quando a tristeza o derruba, ou o destino o carrega em sua onda sem rumo?

Sim, de que mais precisa um homem senão de suas mãos e da mulher – as únicas coisas livres que lhe restam para lutar pelo mar, pela terra, pelo amigo...

Vinicius de Moraes – Para Uma Menina Com Uma Flor – Abril de 1950

aquário


se o que se quer é a boa esposa

a aquariana pousa.


se o que se quer é outra coisa

a aquariana ousa.


se o que se quer é muito amor

a aquariana

é mulher macho sim senhor.


porém não são possessivas

nem procuram dominar

ou são meigas e passivas

ou botam para quebrar.


Vinicius de Moraes. A Mulher e o Signo. 1980.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

domingo eu vou pro mineirão...

Domingão, 20 de julho de 2008



Galo 3 X Coritiba 2


De virada! Mineirão deserto, o menor público que já presenciei, tão triste, mas na companhia dos mais fiéis entre os fiéis: Tane, Raquel, Everardo. Raquel e Everardo são mais que culpados na história: foi com eles que fui as primeiras vezes ao Gigante da Pampulha, lá pelos meus onze anos. Com eles também aprendi a amar nossa querida Charanga. Outras presenças notáveis: um argentino atleticano, torcedor como só atleticanos e argentinos sabem ser, e a nova geração a caminho: uma linda menina, já toda vestida 'pra guerra', e um menino que chegou cruzeirense mas saiu bem balançado...


Galo!!!!!!!!!!!

segunda-feira, 14 de julho de 2008

la marseillaise

mon hommage

au 14 juillet

allez, les bleus!


allons enfants de la patrie,

le jour de gloire est arrivé
contre nous de la tyrannie

l'étendard sanglant est levé.
l'étendard sanglant est levé:

entendez-vous dans les campagnes
mugir ces féroces soldats!
ils viennent jusque dans vos bras
égorger vos fils et vos compagnes.
aux armes citoyens,
formez vos bataillons.

marchons! marchons!

qu'un sang impur

abreuve nos sillons

que veut cette horde d'esclaves

de traîtres, de rois conjures?
pour qui ces ignobles entraves

ces fers des longtemps préparés

ces fers des longtemps préparés

français, pour nous, ah quel outrage

quel transport il doit exciter!

c'est nous qu'on ose méditer
de rendre a l'antique esclavage

quoi! des cohortes étrangères

feraient la loi dans nos foyers!

quoi! ces phalanges mercenaires

terrasseraient nos fiers guerriers.

terrasseraient nos fiers guerriers.

grand dieu! par des mains enchaînées

nos fronts, sous le joug, se ploieraient.

de vils despotes deviendraient

les maîtres de nos destinées

tremblez tyrans, et vous perfides

l'opprobre de tous les partis.
tremblez, vos projets parricides

vont enfin recevoir leur prix!

vont enfin recevoir leur prix!

tout est soldat pour vous combattre.

s'ils tombent nos jeunes héros,

la terre en produit de nouveaux
contre vous, tous prêts a se battre
français en guerriers magnanimes
portez ou retenez vos coups.
épargnez ces tristes victimes

a regrets s'armant contre nous!

a regrets s'armant contre nous!

mais ce despote sanguinaire

mais les complices de bouille

tous les tigres qui sans pitié

déchirent le sein de leur mère!

amour sacré de la patrie

conduis, soutiens nos braves vengeurs.

liberté, liberté chérie

combats avec tes défenseurs

combats avec tes défenseurs

sous nos drapeaux, que la victoire

accoure a tes males accents

que tes ennemis expirants

voient ton triomphe et nous, notre gloire
(« couplet des enfants »)
nous entrerons dans la carrière
quand nos aines n'y seront plus

nous y trouverons leur poussière

et la trace de leur vertus!
et la trace de leur vertus!
bien moins jaloux de leur survivre

que de partager leur cercueil.

nous aurons le sublime orgueil

de les venger ou de les suivre

aux armes citoyens,

formez vos bataillons.

marchons! marchons!

qu'un sang impur

abreuve nos sillons


Canção revolucionária do oficial Claude Joseph Rouget de Lisle da divisão de Estrasburgo; intitulada Canto de Guerra para o Exército do Reno (1792)

Casablanca, Michael Curtiz, 1942.

os ombros suportam o mundo

para alguém

que não vai ler...




chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
tempo de absoluta depuração.
tempo em que não se diz mais: meu amor.
porque o amor resultou inútil.
e os olhos não choram.
e as mãos tecem apenas o rude trabalho.
e o coração está seco.

em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
és todo certeza, já não sabes sofrer.
e nada esperas de teus amigos.

pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
as guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
chegou um tempo em que não adianta morrer.
chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
a vida apenas, sem mistificação.


Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do Mundo, 1940

quarta-feira, 9 de julho de 2008

os degraus

não desças os degraus do sonho

para não despertar os monstros.

não subas aos sótãos – onde

os deuses, por trás das suas máscaras,

ocultam o próprio enigma.

não desças, não subas, fica.

o mistério está é na tua vida!

e é um sonho louco este nosso mundo...


Mario Quintana, Baú de Espantos, 1986.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

bilhete com endereço


mas onde já se ouviu falar
num amor à distância,

num teleamor ?!
num amor de longe…
eu sonho é um amor pertinho…
e depois
esse calor humano é uma coisa que todos
- até os executivos têm

é algo que acaba se perdendo no ar
no vento
no frio que agora faz…
escuta!
o que eu quero
o que eu amo
o que eu desejo em ti
é teu calor animal…

Mário Quintana, Baú de espantos, 1986

simples


É tão difícil falar e dizer coisas que não podem ser ditas. É tão silencioso. Como traduzir o silêncio do encontro real entre nós dois? Dificílimo contar. Olhei pra você fixamente por instantes. Tais momentos são meu segredo. Houve o que se chama de comunhão perfeita. Eu chamo isto de estado agudo de felicidade.


Clarice Lispector